Há cem anos existiu um natal sem músicas natalinas ou luzes
piscantes: as únicas luzes eram das bombas e a única musica que se ouvia era o
som da morte.
Há um
feriado, lojas lotadas, a programação da Tv passa uma infinidade de filmes
natalinos, tem rede de loja que desde novembro já anuncia que “já é natal
na...” e a musica de Simone toca sem parar. Famílias preparam uma grande festa,
mesmo as mais pobres tentam de alguma forma não deixar essa noite em branco.
Nesse feriado cristão que se transformou em uma grande arma do capital pra
aumentar seus lucros, fomentando o consumo desenfreado, em poucas horas já
consome todo o décimo terceiro dos trabalhadores e ainda deixa um rastro de
dívidas nos cartões. Feriado esse no qual algumas pessoas ficam mais amáveis e
fazem atos de caridade, como se fosse real a doce ilusão de que a caridade de
uns fosse acabar com a situação degradante de outros. A esse feriado chamamos Natal.
Mas esse texto não é pra falar sobre Natal, nem sobre como a
burguesia lucra com tudo e nem sobre o conteúdo real dos atos de caridade.
Nosso texto é sobre a guerra, a Grande Guerra ou Primeira Guerra Mundial.
Em junho de 1914 começa a Grande Guerra – nome com que ficou
conhecida até o inicio da Segunda guerra mundial. As potencias envolvidas
acreditavam que rapidamente derrotariam seus inimigos, sairiam da guerra e
regressariam para suas casas com os louros da vitoria. Foram anos de propaganda
ideológica para ganhar a opinião publica para a necessidade da guerra.
A burguesia, desesperada por novos mercados e querendo saciar sua sede lucros,
mostra sua face mais cruel – a face da guerra, alistando aos montes os
trabalhadores para a grande guerra.
Logo esses
trabalhadores, enviados para guerrear pelos interesses da burguesia, se transformariam
em corpos abandonados. Os sobreviventes iriam conhecer a face cruel do
desenvolvimento das força produtivas, as forças destrutivas: bombas,
granadas, gás de mostarda e outras invenções. A guerra rápida se converte em
uma guerra de trincheiras, lenta e aterrorizante, e o som da morte vira um
companheiro inseparável dos soldados... e assim será até 1918.
Entretanto
há um hiato nessa guerra, muito pouco estudado, mas de um grande significado. Há exatos cem anos, no fronte oriental,
soldados (a maioria oriundos da classe trabalhadora) estavam comemorando o Natal.
Em alguns pontos largaram suas armas, atravessaram a terra de ninguém e foram
felicitar seus "inimigos". Seus "inimigos" eram soldados,
também arrebatados de seus ofícios, alistados obrigatoriamente, forçados a
lutarem e morrerem por uma causa que não era deles. Era como se olhar no
espelho.
Imaginem um diálogo:“bom dia! Eu sou John, operário
inglês com esposa e filhos e vim aqui para derrotar o inimigo”. Johann, soldado
alemão, responderia:“Que coincidência! Também sou operário, com esposa e filhos
e vim derrotar o inimigo”. Em nosso dialogo imaginário John e Johann descobririam
naquela noite que não estavam lutando contra seus reais inimigos, descobririam
que haviam sido ambos enganados pela burguesia e enviados para combaterem a si
próprios.
Esse fato é ignorado pela maioria da historiografia oficial e
muitas vezes exagerado por quem o estuda. Foi pequeno, isolado em algumas partes do front, mas teve consequências: como após uma noite longa de conversas
agradáveis John não poderia atirar em Johann seu amigo, seu igual com os mesmos
sonhos e necessidades. Não, não poderia por que ninguém, nem mesmo na guerra,
ninguém é um monstro.
Mas a burguesia sim, as ordens eram para que os pelotões
fossem desmantelados, soldados enviados para outras frentes e alguns fuzilamentos
para que tal heresia contra os senhores da guerra não se repetisse jamais.
Assim mesmo, sem nunca ter ouvido falar de Lenin, nossos heróis imaginários
John e Johann, junto com os incontáveis operários reais levados à guerra
descobriram na prática, sobre a dor da realidade, o que Lenin dizia:
"Mas quanto mais zelosamente os governos e a burguesia de todos os países procuram desunir os operários e lançá-los uns contra os outros, quanto mais ferozmente é empregado para este elevado fim o sistema do estado de guerra e da censura militar (que persegue muito mais, mesmo agora, durante a guerra, o inimigo «interno» do que o externo), tanto mais imperioso é o dever do proletariado consciente de defender a sua coesão de classe, o seu internacionalismo, as suas convicções socialistas, contra o chauvinismo desenfreado da claque «patriótica» burguesa de todos os países. Renunciar a esta tarefa por parte dos operários conscientes significará renunciar a todas as suas aspirações libertadoras e democráticas, sem falar já das socialistas."
Lenin em A Guerra e a
Social-Democracia da Rússia 28 de Setembro 1914
Quatro anos depois, cerca de dezoito milhões de pessoas,
entre civis e militares, estavam mortos. O mapa da Europa, irreconhecível.
Impérios europeus sumiram. As direções do movimento operário internacional
traíram revolta por revolta. Mas houve um proletariado que, após muito penar,
lutar bravamente contra a guerra, começou a mudar o mundo. Em 1917, usando as
palavras mais simples que um ser humano poderia escrever," Pão, Paz e
Terra". A burguesia não se veria mais ameaçada apenas por um tênue
fantasma do movimento socialista, mas pelo conjunto da classe operária russa,
organizada no primeiro Estado operário revolucionário a triunfar na História, a
Rússia de Outubro.
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